Sobre história da empresa: Porque eu Faço o que Faço?
Sobre história da empresa: Porque eu Faço o que Faço?

CONCEITUANDO A EMPRESA

Todos os meus questionamentos, lá em 2010, me levaram a inquietações que não estavam ajustadas dentro do meu percurso e prática profissional. A minha experiência como psicóloga hospitalar iniciou-se na Unidade de Tratamento Intensivo da medicina humana, no hospital São Luiz, e me mostrou relatos de pacientes sobre a falta que sentiam do animal de companhia durante o período de internação.

Recordo-me de um atendimento específico muito marcante: ao adentrar no leito de um paciente e disponibilizar o serviço da psicologia hospitalar, seu relato veio, para minha surpresa, direcionado para a falta e saudade que sentia de sua gata, Marlene. Confesso que demorei a entender que o nome se referia ao animal de estimação e não à esposa. Junto da preocupação referente aos cuidados dela, veio o desabafo: “Ela me espera todas as noites. Antes eu, que sei falar, assim doente do que ela”.

Como poderia uma pessoa preferir estar hospitalizada no lugar do seu animal de companhia? Não pude deixar de pensar nisso. A partir dessa experiência, entre outros relatos similares dos pacientes, comecei a indagar-me também como seria se fosse o animal quem estivesse hospitalizado. Qual seria a reação de um tutor quando o animal dele fosse diagnosticado com uma doença grave e necessitasse de um tratamento intensivo? Será que o animal também receberia visitas no leito? E como ir para casa e deixar um ser que não verbaliza o que está sentindo?

Em busca de compreender o processo de hospitalização e cuidados intensivos com o animal de companhia e seus familiares, candidatei-me em algumas Unidades de Tratamento Intensivo Veterinário. Assim como eu no início, muitas delas não conseguiam perceber a necessidade de um psicólogo nesse contexto, até que, em 2012, fui aceita na Unidade de Terapia Intensiva Vet Support.

Lá, acompanhando os proprietários nos horários de visitas, pude distinguir o estereótipo de um proprietário com um bem material da realidade, que é o animal como um familiar e o tutor como o responsável pela saúde e bem-estar dele, além de culpado e ansioso, já que para alguns é a primeira vez em que se separam dos filhos de quatro patas.

No meio de tantas descobertas, veio o reconhecimento do sofrimento que sentem diante do impacto do diagnóstico ou da necessidade de internação de um membro da família, o que gera uma ruptura do mundo presumido individual.

Parkes (2009) define mundo presumido como sendo “aquele aspecto do mundo interno que é tido como verdadeiro”.  Foi possível perceber que os próprios familiares não conseguem nomear tamanha dor e em algumas situações não têm o apoio dos amigos ou mesmo dos familiares, causando um luto não validado, como reconhecer uma dor que ninguém reconhece.

O espaço para escuta, o acolhimento e o acompanhamento dos familiares que visitavam seus animais na UTIV me permitiu não apenas validar a intensidade desse sofrimento — revelado por desabafos, hostilidades, culpas, manifestações corporais ou até mesmo pelo silêncio —, mas também perceber a importância de um estudo para a compreensão das manifestações do luto antecipatório na família.

Segundo Lindemann (1944), a ameaça de morte ou a separação já podem iniciar uma reação de enlutamento, observada pelos sentimentos de choque, tristeza, raiva e culpa pela hospitalização. Ou seja, o luto antecipatório apresenta a mesma sintomalogia do luto propriamente dito, porém antes da perda real, isto é, antes da morte.

A Psicologia havia entrado no contexto veterinário. A cada pessoa que eu atendia, percebia a família do paciente se envolvendo no processo do adoecimento, em uma tentativa de se organizar diante de uma nova experiência: a hospitalização do seu animal de estimação.

Em busca de melhor entender esse processo e de embasamento teórico mais aprofundado, em 2014, concluí a especialização em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia, com foco nas manifestações do luto antecipatório pela iminência da morte do animal de companhia.

Assim, a cada aula, supervisão, livros, filmes e artigos, fui reconhecendo e compreendendo que, o que muitas vezes é nomeado como loucura, se trata de manifestações do processo do luto antecipatório — manifestações tão presentes nos atendimentos.

Franco (2008) afirma a necessidade de uma compreensão do luto que reconheça a revisão fundamental do nosso mundo presumido, de nossos sistemas de crenças e de nossas narrativas de vida. Tanto para o profissional como para a pessoa enlutada, é necessário colocar esforços para entender o luto como um processo reflexivo que articula significados e experiências, para assim reconstruir o mundo, restaurando a coerência e a narrativa de nossas vidas.

Com a experiência profissional e a disponibilidade e coragem de olhar no olho desses familiares e equipe em sofrimento, fui a primeira psicóloga hospitalar a ser contratada no contexto veterinário.

Com a rotina, foi possível perceber o quanto a equipe também passa pelo processo de luto e sofre diante da perda de seus pacientes. Assim, iniciei palestras e cursos com educação para vida e morte, a fim de suprir a falta de preparo dos profissionais diante das manifestações do luto — que é fonte de estresse, uma vez que foram treinados para salvar vidas e não para perdê-las —; e destacar a importância da inclusão da disciplina de psicologia referente ao processo do luto nos cursos de graduação e pós-graduação de medicina veterinária —  os quais hoje já faço parte da grade de alguns.

A morte faz parte do cotidiano desses profissionais, já que se deparam com más notícias cinco vezes mais do que os profissionais da área humana (pois os animais vivem um oitavo da vida dos seres humanos). Além disso, na área veterinária, o procedimento da eutanásia é legalizado e consiste em um momento em que os familiares também necessitam de cuidados, de modo que a equipe também fica sujeita ao luto.

Essa troca de experiências entre a equipe de saúde, o médico veterinário e a psicóloga nos revelou que, juntos, temos um objetivo comum: sermos facilitadores do processo do luto, promovendo o bem-estar tanto do animal quanto de sua família e equipe durante o processo do adoecer, morte e luto.

Além disso, foi com as palestras que os profissionais começaram a identificar os familiares que poderiam se beneficiar do acompanhamento psicológico, dizendo que conheciam uma pessoa que poderia ajudá-los e que não precisariam passar pelo processo do adoecer sozinhos. Foi assim que, em 2013, nasceu o consultório de psicologia em situações de crise e perda.

A especialização em luto e a rotina do consultório elucidou ainda mais a profundidade da relação entre o homem e o animal, a qual muitas vezes é mais significativa do que com qualquer outra pessoa, não só pelas representações simbólicas, mas também pelo fato de que o animal é capaz de dar o amor incondicional. Parkes, psiquiatra estudioso no processo do luto, afirma: “O significado da perda será compreendido ao se saber o que foi perdido”. Eu concordo com ele. Hoje, sempre faço a seguinte pergunta: o que essa família está perdendo?

Como consequência de todo esse processo, em 2019, nasceu o “Espaço de Psicologia Joelma Ruiz”, para situações de perdas profissionais e pessoais, com atendimentos individuas, grupos de apoio ao luto, grupos de estudos e trocas de experiências.

A psicologia hospitalar me ensinou que a morte é uma das ferramentas mais intensas de empoderamento, pois ter noção da finitude fez dos meus problemas cotidianos solucionáveis, e dos momentos, tanto bons quanto ruins, uma oportunidade de vivência intensa, com a certeza de que ambos irão passar.

Não precisamos trabalhar em hospitais, ficar doente ou ter um membro da família enfermo para nos darmos conta disso. Basta refletirmos e discutirmos abertamente sobre a morte e a vida e cuidarmos de quem cuida. Eu mesma quando iniciei minha trajetória na medicina veterinária, não tinha sequer animais. Hoje tenho o Otello, quem também me ajuda a compreender essa relação interespécie, que é tão intensa.

O espaço de psicologia Joelma Ruiz é, portanto, um local de escuta e acolhimento com abordagem centrada da pessoa que busca suas potencialidades e o desenvolvimento humano, para elaborar recursos emocionais, crescimento pessoal e valorização dos relacionamentos com profissionais capacitados.

Sejam bem-vindos!