Entrevista CRMV-SP
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CUIDANDO DE QUEM CUIDA: Médico-veterinário deve cuidar de sua saúde mental para não adoecer em meio à pandemia

Profissionais devem ficar atentos ao aumento dos casos de síndrome de burnout, que traz entre seus sintomas exaustão no trabalho, angústia e depressão

Texto: Coordenadoria de Comunicação e Eventos do CRMV-SP

Pesquisas revelam que durante as epidemias, o número de pessoas cuja saúde mental é afetada tende a ser maior do que o número de indivíduos acometidos pelas infecções e vírus. Tragédias anteriores, como a da gripe espanhola e os surtos de ebola, mostraram que as implicações psicológicas podem durar mais tempo e ter maior prevalência, afetando diretamente a capacidade de retomada do país quando o período de isolamento social acabar.

Para os profissionais que atuam na área da saúde e precisam se expor ao risco de contágio, e que são sobrecarregados por um volume de trabalho muito acima da média, as chances de adoecimento são ainda maiores. Este é o momento de ficar atento ao aumento dos casos da síndrome de burnout, que traz entre seus sintomas a sensação de exaustão completa no trabalho, insônia, angústia e a impressão de que tudo que está sendo produzido é insatisfatório.

De acordo com Joelma Ruiz, psicológica especialista em luto, a rotina agitada devido aos compromissos relacionados a trabalho, família, e ao excesso de informação, podem ser estressantes e prejudicar a saúde física e mental dos profissionais. Isso pode ocorrer de forma silenciosa, sem que a pessoa afetada perceba. “Ao identificar os sintomas em um colega de trabalho, oriente-o a buscar ajuda de um profissional especializado e ajude-o a compreender que o estresse não é de modo algum sinal de fraqueza ou que ele é incapaz de realizar o trabalho”, afirma.

No caso do médico-veterinário, cuja atuação não está, até no momento, centrada na linha de frente ao combate do Covid-19, a preocupação deve ser a de não adoecer. Para Rodrigo Cardoso Rabelo, sócio da Intensivet e ¬especialista em Medicina Veterinária Intensiva, a confusão gerada pelo Coronavírus pode ser mais um catalisador dos transtornos mentais que já vinham ocorrendo entre a classe. “Se o profissional já sofria de distúrbios de ansiedade e depressão, e não fazia tratamentos ou foi mal diagnosticado, a pandemia pode agravar esses sintomas e contribuir para que eles apareçam com ainda mais força”, alerta.

Para enfrentar o Covid-19, o Ministério da Saúde solicitou dados de 140 mil médicos-veterinários brasileiros ao Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), que em caráter emergencial poderão ser recrutados para trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS) no enfrentamento da pandemia. Vale lembrar que os profissionais somente serão convocados após realizarem um curso de capacitação obrigatória do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (Coes), e informarem o interesse e disponibilidade em participar da ação.

Antes de abraçar este tipo de desafio, Rabelo diz que o médico-veterinário deve avaliar suas condições profissionais e de saúde. “Aqueles que se sentem sensíveis demais neste momento devem evitar a participação, pois trata-se de um trabalho muito incisivo, com alta carga de estresse”, orienta.

Trabalhar sob pressão e com o risco iminente da perda e do luto pode ser menos traumático para o médico-veterinário que lida diariamente com pacientes em estado grave e que necessitam de tratamentos e cuidados intensivos. Thiago Kohler Valério, médico-veterinário especializado em Medicina Intensiva e bombeiro voluntário durante 13 anos, diz que o trabalho de salvamento exige muita disciplina e cuidado, e que se não houver uma busca pelo autoconhecimento, a nobre missão pode facilmente gerar sentimentos de frustração e culpa.

Valério lembra que quando iniciou a dupla jornada tinha dificuldades para dormir e passava dias pensando nas vidas que não havia conseguido salvar. “Quando carregamos o sentimento da perda anterior, é impossível focar nos próximos atendimentos. Tive que aprender a controlar a ansiedade, o estresse, o medo, e a raciocinar em situações críticas. Este controle é imprescindível para que possamos oferecer o melhor da nossa técnica.”

É importante aceitar que nem todas as batalhas contra a morte serão vencidas. “Pessoas e animais vão morrer neste processo, ainda que se faça o possível para evitar. Não ganharemos sempre. Para evoluir, tive que aprender a me focar nos indivíduos que salvei, e desta forma, as perdas se tornaram aprendizados”, afirma Valério.

Medicina Veterinária é a profissão com maior taxa de suicídios

Dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), mostram que entre 1980 e 2007, a Medicina Veterinária foi a profissão com maior taxa média de suicídio por ocupação e risco ocupacional. A pesquisa evidencia a ocorrência de suicídios 225% maior do que em outras profissões.

A liderança da profissão em análises de doenças relacionadas ao estresse por 27 anos consecutivos se dá por diversos motivos: carga horária excessiva em residências e hospitais veterinários, plantões de mais de dez horas, estresse em atendimentos e emergências, cobrança e a falta de preparo para lidar com o luto animal.

Cuidados com a saúde física e mental

A psicóloga Joelma Ruiz alerta que o excesso de informação pode gerar ainda mais ansiedade, pois leva o indivíduo a experimentar um estado mental de alerta constante, a partir das diversas possibilidades de situações futuras. Essas notícias alteram o estado de humor e levam ao aparecimento de pensamentos vitimistas, que quando presentes, impedem a percepção de novos cenários. “Recomenda-se que a busca por notícias seja realizada uma vez ao dia e em horários em que haja tempo para o cérebro filtrar e elaborar conteúdos. É importante vivenciar um dia de cada vez e estar presente no aqui e agora, pois é o que conseguimos controlar”, ensina.

Rodrigo Rabelo também sugere cautela com relação ao emaranhado de conteúdos noticiosos em tempos de Covid-19. Para ele, a melhor forma de blindar as notícias desnecessárias é restringindo as fontes de informação. “Eu busco me orientar a partir dos dados oficiais do governo e das organizações científicas. Se eu consumir todas as informações que chegam pelas redes sociais e grupos de WhatsApp, certamente vou adoecer”, alerta.

No dia a dia de trabalho, a recomendação é manter os cuidados com a higiene e seguir os protocolos de prevenção. Deve-se treinar a equipe para que todos atuem juntos no controle do ambiente e dos riscos da exposição. “É importante que os gestores parem, respirem e filtrem informações, de forma a não transmitir medo aos seus colaboradores, já que este medo será uma violência secundária para os envolvidos. Uma equipe estressada gera uma crise dentro de outra crise”, diz a psicóloga.

Para os profissionais que atuam em hospitais veterinários, seja flexível com os horários, trocas de plantão e sobrecargas de trabalho. Ao identificar alteração comportamental de colegas, a melhor forma de ajudar é sugerir o acompanhamento profissional. “Quanto mais um indivíduo assume a ansiedade de um terceiro, mais propenso ele estará a adquirir uma outra doença, que é a fadiga da compaixão”, diz Rabelo.

Thiago Kohler Valério ressalta a importância de não levar os assuntos de trabalho para o lar e a manter uma rotina de atividades físicas diárias, mesmo que em casa, durante o período de isolamento social. “Evite dormir além do horário ou trocar o dia pela noite. Mantenha a mente ocupada com boas leituras e estudos, e tire os projetos antigos da gaveta. Procure uma forma de ser solidário e de fazer caridade”.

Confira o artigo publicado pelo CRMVSP pelo link: https://www.crmvsp.gov.br/site/noticia_ver.php?id_noticia=7278