Burnout na Medicina Veterinária
Burnout na Medicina Veterinária

“Quando comecei a trabalhar como enfermeira veterinária em 2008, as horas de trabalho não eram boas. Na verdade, elas eram péssimas.

Eu costumava trabalhar durante as noites de Sexta, Sábado e Domingo, de 12 a 13 horas em cada dia, em uma clínica de emergências  bem movimentada. Essas horas eram puxadas, mesmo para alguém de 20 anos. O salário era suficiente para eu me manter, mas eu sempre caia na tentação de fazer umas horas extras. Depois de alguns meses, decidi encontrar um segundo emprego, trabalhando durante o dia numa clínica de práticas gerais. Eu costumava chegar dos turnos da madrugada, dormir de 2 a 3 horas, e acordar para ir à clínica em que trabalhava durante o dia. Era uma correria, mas eu amava o que fazia.

10 anos depois e  eu ainda trabalhava como enfermeira veterinária, mas agora no departamento de oncologia. Eu tinha ido tão longe quanto uma enfermeira veterinária poderia ir sem maiores estudos, obtendo o diploma em especialização técnica em oncologia veterinária apenas em 2014. Eu era o tipo de profissional que se dava ao máximo. Eu chegava antes de todos, e era normalmente a última a ir embora.

Em Agosto de 2018, saí do meu emprego para me mudar para outro estado e tirei um mês de férias antes de começar em um novo hospital. Nesse um mês, algo aconteceu. Eu percebi o quão apática eu havia me tornado no emprego anterior. Eu havia perdido simpatia pelos animais e empatia pelos tutores. Eu até me lembro de um dia em que que uma colega de trabalho tentava me explicar que alguns clientes na recepção estavam atrasados para a consulta, mas, ainda assim, gostariam muito de ser atendidos. Ela tentou levar para o lado emocional (como todos nós fazemos na medicina veterinária), dizendo: “Eles estão tristes, o gato deles está com câncer!”.

Minha resposta estava travada em mim por anos. “Todos eles têm câncer!”, eu gritei.

Eu deveria ter percebido naquela época que eu tinha virado uma espécie de robô. Um robô muito bom na sua função, mas que estava perdendo as “peças” de emoção que ele tinha quando começou a trabalhar na enfermagem veterinária. Agora, no meu novo trabalho, eu me vi tendo muito mais compaixão e paciência, e até tombando mais para o lado dos clientes quando lidava com eles e seus animais. Eu havia encontrado o meu “eu” antigo novamente, a pessoa que havia entrado para a enfermagem veterinária para ajudar animais e pessoas. Aquela que tinha sede de aprender e melhorar dia após dia. Agora eu sei o que é Burnout para mim. Só que eu não estou sozinha.

De acordo com um artigo publicado na ‘Annual Review of Psychology’, ou Revisão Anual de Psicologia Clínica, em tradução livre, ‘Burnout é uma resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho’. Profissionais veterinários (médicos, enfermeiros e equipe administrativa) estão expostos a emoções intensas dia após dia. Além de testemunhar o sofrimento de pacientes e o luto dos tutores, nós temos outros estressores na profissão que contribuem para o desenvolvimento de Burnout. Um estudo demográfico, conduzido pela Associação Nacional de Técnicos Veterinários nos Estados Unidos da  América, em 2016, confirmou que a principal razão pela qual enfermeiros veterinários abandonam a profissão é a baixa remuneração; seguida por falta de respeito pelo empregador (20%), Burnout (14%), falta de benefícios, dificuldade em conciliar o trabalho com o cuidado com os filhos, falta de respeito pela profissão e fadiga de compaixão.

O que podemos fazer como integrantes desse ramo para diminuir a incidência de casos de Burnout em enfermeiros veterinários? Eu acho que isso começa pelos empregadores. O estudo acima citado revelou que a maioria dos participantes (44%) ganha entre $15 e $20 por hora. Mesmo os enfermeiros mais bem pagos do estudo ($20/hora) recebem cerca de $28.000 por ano (trabalhando 40 horas por semana, 50 semanas por ano, e pagando 30% em imposto). Para colocar esse número em perspectiva, o nível nacional de pobreza nos EUA, para uma família de quatro de pessoas, é de $25.000.

O primeiro passo para os empregadores é respeitar e reconhecer o valor dos enfermeiros veterinários e pagá-los adequadamente. Além disso, empregadores podem ajudar na garantia do bem-estar dos funcionários. Enfermeiros veterinários devem ser encorajados a tirar suas férias remuneradas, e devem ter direito a intervalos regulares em períodos apropriados. E ainda que haja enfermeiros esperando pela primeira chance de fazer horas extras, empregadores devem limitar a quantidade de horas adicionais permitidas, para que os funcionários sejam assegurados de ter uma vida profissional e pessoal equilibrada.

Os sintomas de Burnout podem variar de pessoa para pessoa e podem ocorrer em múltiplos estágios da carreira, tornando-se difícil de ser identificado. Aqueles que sofrem da Síndrome de Burnout podem experienciar problemas relacionados ao sono, retração na interação com as pessoas por ele queridas, nervosismo (no ambiente de trabalho e fora dele) e ganho de peso. Talvez eles se encontrem em um trabalho o qual tenha se tornado frustrante, e desenvolvam atitudes negativas em relação ao trabalho e aos colegas de profissão. Eles podem também desenvolver atitudes compulsivas, incluindo tanto práticas saudáveis quanto não-saudáveis, como exercícios, dietas, mas também fumo e consumo de bebidas alcoólicas. Perda de paciência com os tutores e/ou pacientes é uma das bandeiras vermelhas de Burnout.”

Emily Fullerton, técnica veterinária especializada em oncologia, de Gaithersburg, Maryland (EUA)